O Nobel de Literatura de 2021 :: Por José Lima Santana
José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal)
De Sully Prudhomme (França), primeiro ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, em 1901, a Abdulrazak Gurnah, ganhador deste ano, o Brasil ainda espera a sua vez. Aliás, a vez de ganhar um Nobel, em qualquer das áreas premiadas. Tivemos, no passado, algumas indicações na Literatura: Coelho Neto, em 1933; Flávio de Carvalho, em 1939; Alceu Amoroso Lima, em 1965; Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade, em 1967; novamente Jorge Amado e Érico Veríssimo, em 1968. Acredita-se que Clarice Lispector tenha sido indicada nos anos 1970 (ela faleceu em 1974), mas ainda não há lista divulgada pela Academia Sueca com o nome dela.
Há, até certo ponto, um equívoco muito grande por parte das editoras brasileiras em não nos dar a conhecer alguns nomes da literatura universal, que se destacam com publicações em outros países, e que não os seus de origem, com aceitação do público ou da crítica. Alguns dos últimos ganhadores do Nobel não eram, até então, publicados no nosso País. Uma tristeza! Outros, eram publicados timidamente.
Os brasileiros são tidos como leitores de poucos livros, na média anual por habitante. Esse é, sem dúvida, um problema. Às vezes, algumas pessoas gostam de comentar quando alguém se candidata a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, como ocorre, agora, com a candidatura única da atriz Fernanda Montenegro à cadeira 17. Houve vozes que se pronunciaram contrárias a ida dela para a Casa de Machado de Assis, por não ser uma literata. Aliás, no Facebook, um professor aposentado da UFS disse que a ABL estava parecida com a Academia Sergipana de Letras. Não entendi.
Antes de aprofundar-me no Nobel de Literatura, notadamente, no ganhador deste ano, quero lembrar que figuras que não tinham muita coisa a ver com a Literatura desembarcaram na ABL, ao contrário de outros que foram por ela rejeitados, como, somente para citar um caso, o poeta gaúcho Mário Quintana, que ironizou os acadêmicos que o rejeitaram por três vezes, com esta pérola: “Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho / Eles passarão... / Eu passarinho!”. Uma tamancada bem dada. Palmas para o Passarinho, que já não vive entre nós, mas jamais passará.
A ABL acolheu Getúlio Vargas, que, dizem, encheu suas burras. Como recompensa, a cadeira 37, cujo patrono é o poeta e inconfidente mineiro Tomás Antônio Gonzaga. Puxa vida! Getúlio na ABL! Pior ainda, o general Aurélio de Lira Tavares, que compôs o triunvirato no impedimento forçado pelos militares para que o vice-presidente da República, Pedro Aleixo, não assumisse a presidência, na doença e, depois, com o falecimento do marechal e presidente Artur da Costa e Silva, em 1969. O general Aurélio ocupou a cadeira nº 20, cujo patrono é o romancista Joaquim Manoel de Macedo. Santo Deus! O ex-presidente Juscelino Kubitschek concorreu a uma vaga na ABL, mas foi derrotado. Afinal, Getúlio, sim; mas, JK, não? Coisas da Academia. Ou melhor, das Academias. Ah, não se deve esquecer que o ex-presidente Sarney ocupa, na ABL, a cadeira nº 38, cujo patrono é Tobias Barreto! E haja “Marimbondos de Fogo”. Ao menos, além de seus livros, que, dizem críticos ferinos, são de segunda, o caudilho maranhense é jornalista, ou o foi por longo tempo. Ao menos isso. E mesmo nas escolhas da Academia Sueca há algumas críticas, como a de 2016, cujo agraciado foi o cantor e compositor americano Bob Dylan. Academias... Quem as poderá entender por inteiro?
Retomo ao Nobel de Literatura deste ano. Segundo esclarecedora matéria assinada por Andrea Aguilar, para o jornal espanhol “El País”, datada de 07 deste mês, Abdulrazak Gurnah é tanzaniano, embora há muito radicado no Reino Unido, escrevendo em inglês. A Tanzânia, como se sabe, é um país da África Oriental conhecido por suas vastas áreas selvagens, a exemplo das planícies do Parque Nacional de Serengeti, tão divulgado em canais de televisão fechados, como o Animal Planet e outros. Lá também se situa o Parque Nacional de Kilimanjaro, onde fica a montanha mais alta da África. Em alto-mar, estão as ilhas de Zanzibar, de influência árabe, e de Mafia, com um parque marinho que abriga tubarões-baleia e recifes de corais. A capital é Dodoma. A população, em 2020, era estimada pelo Banco Mundial em, aproximadamente, 60 milhões de habitantes. Línguas oficiais do país: suaíli e inglês.
Segundo Aguilar, o vencedor do Nobel começou a escrever aos 21 anos como um jovem refugiado tanzaniano no Reino Unido, e na quinta-feira, 6, aos 73, estava na cozinha da sua casa quando recebeu um telefonema da Academia Sueca para lhe informar que ganharia o maior prêmio literário que existe. Horas depois, em Estocolmo, era anunciado ao público que o Prêmio Nobel de Literatura de 2021, dotado de 10 milhões de coroas suecas (6,28 milhões de reais), foi dado ao tanzaniano Abdulrazak Gurnah, “por sua comovedora descrição dos efeitos do colonialismo na África e do destino dos refugiados, no abismo entre diferentes culturas e continentes”. A surpresa foi notável não só para o autor, cujo nome estava fora das listas e das apostas.
Gurnah nasceu em 1948 na ilha de Zanzibar, escreve em inglês e já lançou 10 romances – todos inéditos no Brasil – como Paradise (1994), que foi indicado ao Booker Prize e ao Whitebread Prize. Outros dos seus títulos conhecidos são By the sea (2001), Desertion (2015) e os mais recentes Gravel heart (2017) e Afterlives (2020), elogiados pela crítica. Na manhã da quinta-feira, 7 (hora do Brasil, como relata Aguilar), Anders Olsson, membro da Academia, explicou como em seu “magnífico último livro ele se afasta das descrições estereotipadas e abre nosso olhar a uma África culturalmente diversa, pouco conhecida em outras partes do mundo”. Devo concordar com isso.
O ganhador do Nobel deste ano é também autor de ensaios sobre literatura pós-colonial e é professor emérito no departamento de língua inglesa da Universidade de Kent, fundada em 1965, no condado de Kent, na Inglaterra. Gurnah é o sexto africano a obter o prêmio, depois do argelino Albert Camus (1957), do nigeriano Wole Soyinka (1986), do egípcio Naguib Mahfouz (1988), e dos sul-africanos Nadine Gordimer (1991) e J. M. Coetzee (2003).
O laureado chegou ao Reino Unido no final da década de 1960, após sair do seu país em um momento no qual a minoria muçulmana estava sendo perseguida. Tinha estudado na Universidade Bayero Kano, na Nigéria, e de lá se transferiu para a Universidade de Kent, onde se doutorou em 1982. Seus estudos se centram na era pós-colonial e no colonialismo, especialmente relacionado com a África, o Caribe e a Índia. O prêmio para o romancista tanzaniano neste ano revela um autor desconhecido do grande público, algo que já faz parte da tradição da Academia Sueca. Vamos esperar que seus livros sejam, logo, logo, publicados no Brasil.
*Padre, advogado, professor da UFS, Membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE