Empresas no piloto automático: como o conselho consultivo pode resgatar a visão de futuro
Quando a gestão está mergulhada na rotina do negócio, é natural que a empresa entre no ‘modo automático’.
Tudo parece funcionar, mas o que realmente acontece é a perda de visão: decisões deixam de ser orientadas pelo futuro e passam a ser apenas respostas ao presente.
Em suma, esse é um dos sinais mais claros de uma liderança que precisa sair do conforto da operação e resgatar o papel de pensar o negócio.
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, tenho auxiliado e orientado empresas, especialmente empresas familiares brasileiras a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Neste artigo, Carlos Moreira discute o papel estratégico do conselho consultivo como instância essencial para a sustentabilidade e o crescimento empresarial.
O perigo quando a empresa opera no piloto automático
Em muitas empresas, especialmente familiares, a gestão tende a confundir rotina com estratégia.
Relatórios de desempenho, reuniões de alinhamento e análises de KPIs são importantes, mas não podem ocupar todo o espaço que deveria ser destinado a decisões de longo prazo.
Esse fenômeno, conhecido como “piloto automático”, acontece quando a liderança foca apenas no operacional imediato e deixa de questionar o futuro. Na prática, a empresa até cresce, mas não por decisões estratégicas sólidas, e sim pela inércia do mercado.
De acordo com a pesquisa 26ª Global CEO Survey 2023 da PwC, um terço dos CEOs, no Brasil e globalmente, não acredita que suas organizações serão economicamente viáveis dentro de dez anos, caso continue no rumo atual, um alerta claro sobre a urgência de reposicionar a visão estratégica.
Sinais de alerta: quando a rotina domina
Existem indícios claros de que uma empresa está presa no ciclo da rotina e perdendo espaço para a estratégia:
- Pautas repetitivas: as reuniões de diretoria giram sempre em torno dos mesmos relatórios e métricas;
- Pouca inovação: não há espaço para discutir reposicionamento, novos modelos de negócio ou oportunidades de diversificação;
- Dependência da conjuntura: o crescimento decorre mais do contexto econômico do setor do que de decisões conscientes da gestão;
- Futuro negligenciado: não existe planejamento sucessório estruturado, o que transforma a continuidade em um risco iminente.
Esse último ponto é especialmente crítico, já que a ausência de planejamento sucessório pode comprometer não apenas os resultados, mas também o legado da empresa.
Onde o conselho consultivo faz a diferença?
O conselho consultivo é um dos principais mecanismos para tirar empresas do piloto automático.
Diferente de um conselho administrativo, que possui responsabilidades legais e deliberativas, o conselho consultivo atua como aliado estratégico, trazendo um olhar externo e experiente.
Entre seus principais papéis estão:
- Gerar desconforto saudável: ao questionar decisões, propor cenários alternativos e desafiar a liderança a pensar além do curto prazo;
- Equilibrar rotina e estratégia: ajudando a redistribuir tempo e energia entre demandas operacionais e visões de futuro;
- Reforçar a governança corporativa: promovendo práticas que ampliam a transparência, a prestação de contas e o alinhamento entre sócios, herdeiros e executivos;
- Preparar a sucessão: antecipando riscos e orientando sobre como estruturar a continuidade do negócio.
Na prática, empresas que contam com um conselho consultivo atuante têm maior capacidade de lidar com crises, captar recursos e sustentar o crescimento de forma consistente.
Governança corporativa: mais que formalidade
Um dos maiores erros de empresários é acreditar que governança corporativa é um tema restrito a grandes corporações.
Pelo contrário: nas empresas familiares, a governança é justamente o que cria mecanismos para que as decisões deixem de ser centralizadas na figura do fundador e passem a ter um processo estruturado.
E neste cenário, o conselho consultivo funciona como ferramenta prática de governança, estabelecendo uma ponte entre os objetivos da família e as demandas do negócio.
É o conselho que traz equilíbrio, reduz riscos de conflitos e ajuda a manter o foco em uma gestão estratégica.
Gestão estratégica: sair da visão de curto prazo
Quando a empresa opera apenas em função do hoje, abre mão de sua capacidade de construir o amanhã. A gestão estratégica exige sair da análise pontual e construir cenários de médio e longo prazo.
Entre os principais ganhos ao adotar essa postura estão:
- Maior clareza sobre prioridades de investimento;
- Identificação antecipada de riscos de mercado e de sucessão;
- Criação de métricas que medem valor de longo prazo, e não apenas resultados trimestrais;
- Fortalecimento da cultura organizacional, tornando-a menos dependente de indivíduos e mais baseada em processos.
Um conselho consultivo ativo é justamente quem pode ajudar a empresa a fazer essa transição.
Este órgão traz o distanciamento necessário para enxergar além da operação e, ao mesmo tempo, oferece experiência prática para propor caminhos sustentáveis.
Sucessão empresarial: risco ou oportunidade?
A sucessão é um dos maiores desafios das empresas familiares brasileiras. Sem planejamento, ela se transforma em um risco que pode colocar em xeque todo o legado construído.
É nesse ponto que o conselho consultivo exerce um papel decisivo:
- Promove conversas estruturadas sobre sucessão, evitando que o tema seja tratado apenas em momentos de crise.
- Avalia a preparação dos herdeiros e indica caminhos para sua capacitação.
- Apoia na definição de estruturas societárias que preservem tanto os interesses da família quanto a competitividade do negócio.
Em outras palavras, o conselho ajuda a transformar a sucessão de um risco em uma oportunidade de renovação estratégica.
A rotina mantém, mas a estratégia projeta
Empresas que se concentram apenas na rotina podem até sobreviver. Mas apenas aquelas que planejam o amanhã de forma estruturada e estratégica conseguem crescer de forma consistente.
O conselho consultivo não substitui a liderança executiva, mas a provoca, amplia sua visão e a ajuda a não confundir rotina com estratégia.
O conselho é, portanto, um radar de futuro que contribui para que a governança corporativa seja mais do que um discurso, tornando-se prática viva no dia a dia empresarial.
Em um cenário de transformações rápidas e sucessão cada vez mais desafiadora, ignorar esse recurso é um risco alto demais
Carlos Moreira - Há mais de 37 anos atuando em diversas empresas nacionais e multinacionais como Manager, CEO (Diretor Presidente), CFO (Diretor Financeiro e Controladoria), CCO (Diretor Comercial e de Marketing). e Conselheiro Administrativo.