As fantásticas viagens (II) :: Por Fátima Almeida
Fátima Almeida airam22_fafa@hotmail.com
AS FANTÁSTICAS VIAGENS II – O TREM
As fantsticas viagens (II) :: Por Ftima Almeida
Há poucos dias, durante uma viagem, observei intrigada a quantidade absurda de carretas e caminhões transportando cargas pesadas através das rodovias.
Acredito que esse tipo de transporte poderia muito bem ser feito através das ferrovias. Alguns dirão que os custos de restauração dos trilhos e estações serão imensos e inviáveis, mas, aposto que a economia que se teria com recuperação de rodovias, que já não suportam os excessos de cargas e os constantes acidentes, faria valer cada centavo gasto em trilhos, dormentes e máquinas. Por que não o trem?
Viajar de trem é algo mágico! Passam árvores ligeiras, passam rios, açudes, lagoas enormes, bois, casas, cercas e passam nuvens. Assim é a impressão causada pela velocidade do trem. É como a vida. Costumamos dizer que a vida passa por nós, mas nós é que passamos por ela.
Sempre preferi as viagens diurnas, eram mais interessantes. Mas... Continuando “aquela viagem fantástica”, quando chegávamos a Lagoa Redonda, éramos recebidos com imenso carinho, vezes na casa de Tia Mira, vezes na casa de Tia Guió, onde nos refazíamos da longa jornada no carro -de –boi e nos preparávamos para seguir adiante.
Corríamos para a estação do trem, sob os apelos de papai que sempre repetia: “Vamos, apressem-se, o trem não espera ninguém!”. Era uma grande aventura. O Chefe da Estação trocando informações em Código Morse para localizar a composição, enviando e recebendo telegramas, o movimento na plataforma de embarque e desembarque, a ansiedade para entrar no trem, tudo era uma festa!
Tínhamos duas opções: o Mochila, um trem lento que poderia se chamar Cochila e o Rápido, que como dizia o nome, era bem ligeiro. Ainda existia o
Marta Rocha, assim nomeado em homenagem à baiana que se elegeu Miss Brasil em 1954, quando os concursos de beleza ainda eram transparentes e verdadeiros. Seguíamos para Alagoinhas, onde nos esperava Tia Nitinha com aquele pãozinho cheiroso, que Tio Pinto havia trazido da Padaria onde eu me esbaldava com as bolachas. Acreditem, até hoje quando lembro sinto o cheiro daquela padaria, muito conhecida na cidade: A Padaria do Sr. Pinto. Até chegarmos a Alagoinhas, passávamos pelas Estações de Entre Rios, Sabino Vieira, Coti, Capianga e Sauipe. Quando íamos até Salvador, passávamos por muitas estações e postos. Nunca esqueci algumas como: Catu, Pojuca, Mata de São João, Dias d’Avila, Camaçari, Simões Filho, Lobato e finalmente Calçada. Fecho os olhos e é como se ouvisse o funcionário da Leste anunciando a próxima parada. Lá quem nos recebia era Tia Marocas e foi numa dessas visitas que vi pela primeira vez uma televisão, numa loja. Fiquei encantada, mas aquilo era um luxo que eu não ousava sequer imaginar que pudesse existir. Numa dessas ocasiões um dos primos me levou ao cinema (matinée) e aos oito anos comecei a apreciar a Sétima Arte, vendo o filme La Violetera, uma linda película de 1958, estrelado pela Sarita Montiel. Impossível reproduzir aqui o que senti. Que saudades!
O transporte ferroviário era um grande movimentador das pequenas cidades e lugarejos que abrigavam as famosas Estações de Trem. Com a queda dos trilhos, muitas delas quase desapareceram como Lagoa Redonda, que era um lugar bastante animado. O vai e vem de passageiros e a afluência de pessoas e mercadorias, ditavam o ritmo do desenvolvimento do comércio local. Hoje é um lugarejo fantasma. Serve apenas de hotel, onde quem pensa em progredir, estudando e/ou trabalhando só volta para dormir. E a marinete substituiu a Máquina Elétrica e a Maria-fumaça.
Em cidades maiores como Alagoinhas, as ferrovias ainda foram utilizadas por mais tempo. Em meados dos anos 60, eu fui morar na casa de Tia Nitinha, onde estudei o curso ginasial e magistério. Era uma bela casa, rodeada por um florido jardim, que a minha tia fazia questão de cuidar pessoalmente. Ao lado esquerdo da casa, passavam os trilhos que levavam os trens às cidades de Aramari, Serrinha e outras. Todos os dias, às seis da manhã, a Maria-Fumaça passava com o sino a badalar insistentemente e o seu famoso “café com pão, café com pão, manteiga não,” soltando toda aquela fuligem resultante da queima de lenha que a mantinha ativa. Estava levando operários à cidade de Aramari. Às cinco da tarde, ela os trazia de volta. Eu costumava voltar do colégio pulando dormentes, ou me equilibrando sobre os trilhos, até que a trepidação ou um apito me alertava para a proximidade do trem. Descobri que caminhar sobre trilhos e dormentes ajuda a pensar!
Permito-me ainda finalizar com uma belíssima citação de Adélia Prado:
“Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento”.
E a aventura continua!
Por Fátima Almeida escrito em 21/03/2011
Confira também: As fantásticas viagens (I) :: Por Fátima Almeida
Notas:
Dormentes = Cada uma das peças de madeira, de metal ou de cimento armado, colocadas no solo, perpendicularmente à via férrea, e em cima das quais são fixados os trilhos.
Código Morse é um sistema de representação de letras, números e sinais de pontuação através de um sinal codificado enviado intermitentemente. Foi desenvolvido por Samuel Morse em 1835, criador do telégrafo elétrico (importante meio de comunicação a distância), dispositivo que utiliza correntes elétricas para controlar eletroímãs que funcionam para emissão ou recepção de sinais.
Marinete = o mesmo que ônibus, antigamente.
Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco
Esta ferrovia é a mais antiga da Bahia e resultou da concessão de privilégio a um particular — Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto —, no ano de 1853, para a construção de uma ferrovia que, partindo de Salvador, seguisse à vila de Juazeiro ou outro lugar da margem direita do rio São Francisco. A linha deveria passar pela cidade de Alagoinhas e a concessão tinha prazo de 90 anos. Foi a primeira ferrovia construída na Bahia e a quinta do Brasil.
Em 1880, foi inaugurado o trecho entre Alagoinhas e Serrinha, com 110,6 km; em 1887, alcançou a cidade de Senhor do Bonfim, no km 322 a partir de Alagoinhas.
Em 1881, foi autorizada a construção de um ramal que, partindo de Alagoinhas, fosse terminar em Timbó. Esse trecho foi inaugurado em 30 de Março de 1887, com 82,3 km, e prolongado para Aracaju e Propriá, em Sergipe, em 1909.
Em 1910, foi constituída a Rede de Viação Férrea Federal da Bahia, prevendo-se a ligação com a EF Bahia e Minas e a incorporação desta última ao conjunto da rede baiana.
Em 1935, Getúlio Vargas decretou a encampação de todos os serviços e bens da Compagnie des Chemins de Fer Fédéraux de l'Est Brésilien para o controle da União, formando assim a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro.
Na década de 40, iniciaram-se os trabalhos de eletrificação dos trechos de Salvador a Alagoinhas, e de Mapele a Candeias. As obras foram inauguradas em novembro de 1948, com recursos provenientes da União, à época do governo Eurico Dutra.
Fonte: Google