MPF e MPSE atuam para que comunidades de terreiro e de matriz africana sejam incluídas nas comemorações do aniversário de Aracaju
Foram enviados ofícios para a Secretaria Municipal de Governo e para a Funcaju; atuação acontece no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE), oficiaram hoje, 21 de janeiro, a Prefeitura de Aracaju e a Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju) para garantir que povos tradicionais e comunidades de terreiro e de matriz africana sejam incluídas nas próximas comemorações do aniversário de Aracaju em igualdade de condições com as demais religiões.
A atuação do Ministério Público marca o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro. O aniversário de Aracaju é comemorado em 17 março e a comemoração tradicionalmente se estende por vários dias, com eventos culturais e religiosos.
De acordo com o documento enviado à Prefeitura de Aracaju, a Constituição Federal define a liberdade e o livre exercício de crença como direito e garantia fundamental. Além disso, a legislação municipal de Aracaju determina que a Semana Cidade de Aracaju deverá ter, entre as celebrações religiosas programadas, a participação das religiões de matriz afro-brasileiras presentes no município (Lei Municipal nº 5.873, de 16 de fevereiro de 2024). A norma municipal, que entrou em vigor no ano passado, determina que a programação da festividade deve incluir missa em ação de graças, culto campal evangélico e culto campal com as religiões de matriz afro-brasileiras.
Prevenção à discriminação - O ofício destaca a necessidade de uma atuação preventiva para evitar que se repitam os fatos registrados em 2024, quando os povos tradicionais apresentaram ao MPF uma representação contra o município de Aracaju e a Funcaju, na qual relataram a exclusão de sua religião das festividades do aniversário de 169 anos da capital sergipana.
A partir da representação, o MPF e o MPSE intermediaram um acordo entre o município e representantes de povos tradicionais e comunidades de terreiro e de matriz africana, que possibilitou a realização da Alvorada dos Ojás. O evento, custeado por recursos públicos, foi promovido em alusão ao Dia Mundial da África, celebrado em 25 de maio, como uma forma reparação pelas religiões afro-brasileiras não terem sido incluídas nas comemorações do aniversário de Aracaju, em março, como havia sido feito com outras religiões.
Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa - A Constituição brasileira garante a liberdade de crença e a proteção dos locais de culto e suas liturgias (artigo 5º, inciso VI). A Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) reforça a proteção ao exercício da liberdade religiosa ao dispor que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. O estatuto também registra que o “direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins”.
Apesar disso, a intolerância e o racismo religioso continuam a ser uma realidade no Brasil. Em 2024, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania dados do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), que mostram o número de violações motivadas por intolerância religiosa cresceu 80% entre 2022 e 2023. As religiões de matriz africana seguem como as mais afetadas pela violência e intolerância religiosa.
O 21 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa para prestar homenagem à Ialorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, fundadora do terreiro de candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, que teve seu terreiro invadido e sofreu agressões morais por parte de seguidores de outras religiões. Essas ações fragilizaram sua saúde, levando-a a falecer em 21 de janeiro de 2000. Por sua representatividade na disseminação da tolerância de credos, Mãe Gilda teve o dia de seu falecimento eternizado como símbolo do combate ao ódio religioso.
Combate ao racismo - O racismo e a discriminação religiosa não raro se disfarçam sob o escudo da liberdade de expressão. Ocorre que o exercício dessa liberdade (CF, art. 5º, IV) não é ilimitado.
Quando uma pessoa age fora dos limites da lei, mesmo exercendo um direito, essa ação se torna ilegal. Nesse caso, a pessoa responsável pode sofrer punições de acordo com as leis. Logo, a liberdade de expressão não constitui munição para ataques que ferem o direito de consciência e de crença de outros indivíduos e coletividades, igualmente protegidas pela Constituição da República.
Um parâmetro usualmente adotado para demarcar a fronteira entre o exercício e o abuso da liberdade de expressão está previsto na Lei nº 7.716/1989. A chamada Lei Caó define o crime de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, prevendo uma pena que pode chegar a cinco anos, caso o delito seja “cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza”. A lei prevê pena de 1 a 3 anos e multa para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.
O Ministério Público Federal reafirma o compromisso institucional em buscar a efetividade do enfrentamento da intolerância religiosa e do racismo religioso, exigindo do Estado brasileiro medidas efetivas para proteção, defesa e promoção da liberdade de consciência, crença, culto e liturgia, da pluralidade religiosa e da diversidade cultural brasileira.
Denuncie - Todo cidadão pode denunciar casos de intolerância e racismo religioso ao Ministério Público Federal na sede da Procuradoria da República em Sergipe ou por meio do site https://www.mpf.mp.br/mpfservicos